Capítulo 04: Alianças
Tu-dum! Tu-dum! Tu-dum! Estava ensurdecida pelas batidas do meu coração, eu simplesmente não conseguia ouvir mais nada. Os nobres me encaravam com misto de espanto e dúvida, a maioria procurava entender o que estava acontecendo.
Lady Camelia estava jogando sujo, puxando meus cabelos e me acusando de forma tão cruel de algo que eu nem tinha feito. Aliás, eu nem abri a boca! Era tão injusto que eu já começava a me arrepender de ter ficado quieta, de não ter dito nada, afinal, já que eu seria julgada e condenada, eu queria pelo menos ter feito alguma coisa.
Porém, havia essa certeza: a de que eu não era nada se comparada à Lady Camelia. Como ela mesma havia dito, eu era apenas uma cigana promovida à serviçal. Lady Camelia era uma herdeira, de uma das mais valiosas casas: a Casa Soretrat. Eu sabia pouco sobre eles, mas Mama Maja havia contado que a Casa de Soretrat é responsável pela defesa, seus poderes são fortes escudos magnéticos e armas psíquicas. Agora que estávamos sendo caçados por bruxas e inquisitores, certamente um escudo tinha sua grandiosa valia.
--Não foi isso o que aconteceu! - Annaju se adiantou, atravessando a porta e se aproximando de Camelia, apontando com o indicador. -- Essa mentirosa está culpando nossa irmã por algo que ela mesma quem fez!
Ouvir a voz de Annaju me trouxe de volta à realidade. Senti o meu corpo inteiro doer por causa da queda, os cotovelos e os joelhos especialmente. Meu pescoço ainda sentia a puxada de Lady Camelia, mas o pior mesmo era o olhar de todos, aquele ar de reprovação.
Estremeci.
-- Irmã? - Lady Enola soltou uma risada de puro desdém, falando com "Andeogenes", tocando em seu braço para que ele olhasse para ela, mas ele não deu muita atenção para Enola, seus olhos ainda caiam como âncoras em mim. -- A criada é irmã delas!
-- Veja isso, mamãe, o quão parcial é o testemunho dessas duas ciganas que pensam que se vestir como nobres fazem delas de sangue azul! - Lady Camelia se aproveitou.
-- Ah, Camelia, quem você pensa que convence? - Uma garota loira de vestido inteiramente vermelho com bordados de ouro nos ombros e no cinto, aproximou-se de mim. Eu não ousei erguer muito tempo a cabeça para encará-la, mas a reconheci, Lady Amy, a menina que estava na janela, despedindo-se de Yves. -- Você está implicando com elas desde que as meninas chegaram ontem, pensa que ninguém aqui te viu?
-- Lady Soretrat, por favor, se não acredita nas recém-chegadas, acredite em minha irmã, é apenas mais um drama de Camelia. - Outra menina se aproximou, ela era idêntica à loira, mas seus cabelos tinham um tom alaranjado único.
-- Que calúnia! - Lady Camelia não se rendeu. -- Veja, mamãe, todos sabemos que Lady Amy e Lady Amber, se é que podemos dizer que elas são "ladys", morrem de inveja de mim e fazem de tudo para me prejudicar.
-- Vassily? - Mama Maja atravessou a parede de nobres, empurrando por alguns ombros. -- Lady Soretrat, por favor, conheço essa criada como se fosse minha filha e testemunho que se ela fez qualquer coisa, foi por não saber como agir apropriadamente, é apenas uma aprendiz.
-- Não foi exatamente isso o que minha filha disse, está chamando minha filha de mentirosa, Lady Rynbelech.
-- Estou dizendo que também não foi o que minhas filhas disseram e, nesse caso, estaria a senhora chamando minhas meninas de mentirosas, Lady Soretrat? - Mama Maja usou as palavras dela contra ela. Foi gostoso de ouvir.
-- É a palavra de uma contra a outra. - O chanceler Hanschen de roupas azuis escuras e bordados dourados se aproximou dando um passo a frente, mediando a situação. -- Temos meio de resolver isso.
-- Não é a palavra de uma outra contra a outra. - "Andeogenes" desceu as escadas e se aproximou de mim. Ele não me tocou, nem ousou me colocar de pé, mas ali naquela altura, um detalhe saltou aos meus olhos, fazendo com o que meu coração fosse até a minha garganta. A espada que ele tinha presa na cintura, em seu cinto dourado, não era uma espada qualquer, o pomo era de ouro, cravejado de pedras preciosas e com as iniciais gravadas "A.L.", então eu soube, ele era um nobre e eu tinha sido extremamente grosseira com ele, assinando a minha carta de decaptação. -- A criada é um tanto boba, eu tenho que admitir, ela precisa realmente aprender melhor o seu lugar...
-- O quê? - Levantei a cabeça estreitando os olhos. Não acredito que ele disse isso!
-- Viu eu disse que ela é meio boba. - "Andeogenes" colocou a mão pesada na minha cabeça, fazendo eu abaixar de novo. Grosso! -- Lady Camelia está cometendo uma enorme injustiça. Como meu pai me solicitou fui até os aposentos da Casa Rynbelech buscar as recém-chegadas para que elas não se perdessem, acompanhei toda a cena e posso testemunhar diante de Lorde Bawarrod que Lady Camelia quis ser anunciada primeiro, mas Lady Anna Julia e Lady Aradya estavam na frente e não quiseram trocar de lugar e foi quando Lady Camelia acusou a pobre garota de um crime que não cometeu. Tenho certeza que todos compreendem o quanto é injusto culpar uma criada sem a menor noção de etiqueta, por uma richa entre duas herdeiras da nobreza.
-- Viu eu disse que era um drama de Camelia. - Lady Amy sentenciou, colocando as mãos na cintura.
-- E quem é você, meu jovem? - Lady Soretrat pergunta.
-- Sir Andersen Lunysum, herdeiro da Casa Lunysum. - Ele tira a mão da minha cabeça para se curvar como um verdadeiro cavalheiro diante da Princesa Soretrat.
Sir Andersen? Agora tudo faz sentido. Bem que tive mesmo impressão que "Andeogenes" não poderia ser o nome dele. Há um misto de sentimentos em mim nesse instante, um pouco de surpresa, um pouco de revolta, pois sinto como se ele estivesse debochando de mim o tempo todo, se fazendo de soldado.
-- Lorde Bawarrod, por favor, se puder testificar o testemunho de Sir Andersen, serei-lhe muito grata. - Mama Maja pediu.
-- Nem precisa, é obviamente uma mentira. - Outra nobre chegou mais perto. Seus cabelos eram castanhos escuros ondulados e ela estava com uma roupa bem diferente de todos, uma tunica reta que tinha um pano decorado pendurado em um dos ombros. Em sua testa, uma pintura vermelha, de um olho extra. -- Tanto eu como meus filhos, Miro e Jaro podem atestar que Lady Camelia está fazendo falso testemunhos.
-- Eu aceitarei os testemunhos de Sir Andersen e de seus filhos, Lady Varvara! - O Imperador se adiantou, suas botas de metal dourado bateram fortes contra o assoalho, passos imponenetes. Sua energia era magnética e eu fiquei muito curiosa de olhar para ele, ainda assim, a presença dele era tão forte, que era como o Sol: eu não conseguia olhar. -- Todos sabemos que a Casa Taseldgar desvenda os enigmas contidos nas palavras. Lady Camelia, como estou de muito bom humor depois de noite tão confortável ao lado de minha esposa, seu castigo será leve. Já que considera as nobres meninas de Rynbelech tão imundos a ponto de compará-las com ratos, sugiro que lave o chão desse castelo enquanto todos nós tomamos o delicioso café que solicitei aos meus servos que preparassem para recepcionar a Casa Rynbelech, Lady Majaris é uma pessoa bem quista ao meu coração e tamanha beleza nem se compara a dos ratos. - O imperador riu, o salão inteiro o acompanhou.
-- Limpar o chão meu senhor? Está sendo severo! - Lady Soretrat disse.
-- Severo seria se eu mandasse ela limpar nossas bundas após a defecação, mas se você preferir, eu posso trocar a punição, Lady Radwa. - O Imperador desafiou.
-- Claro que não, meu Imperador, o senhor tem muito bom-senso. - Lady Soretrat dobrou o joelho e se curvou, até ficar com metade do seu tamanho, abaixando a abeça com muito medo dele.
-- Agora, se me permitem, estava mesmo curioso com tal criatura bizarra. - O Imperador fez um movimento com as mãos, me pedindo para levantar. A criatura bizarra sou eu? Fiquei em pé, arrumando os cabelos, batendo as roupas sozinha. Nenhum dos nobres poderia me ajudar a levantar, mas depois notei a mão de Sir Andersen pendendo como um gentil suporte, que ao ser ignorada foi guardada, segurando no cabo de sua espada. -- Como se chama, criatura?
-- Vassily, senhor. - Eu me curvei, tal como Lady Soretrat, imitando a mesma posição.
-- Vassily! - O Imperador Tsezar soltou uma gargalhada. -- Mas o que é isso?! Essa criatura parece mais uma garota, eu estava esperando alguém mais...
-- Circense, meu senhor? - Lady Radwa Soretrat sugeriu.
-- Sim, certamente, circense é uma boa palavra. - Ele concordou. -- Uma mulher barbada, mais especificamente, porém, onde está a barba? E isso em seu corpo, são peitos? Pequenos demais, eu diria. Espero que o aparato entre suas pernas não seja pequeno, ou as mulheres suas amantes fiarão decepcionadas. Ou será que eu deveria dizer "os homens, seus amantes"? Afinal, você também tem o buraquinho que todo homem deseja, não é verdade? - E ele soltou mais uma gargalhada, mas dessa vez, poucas pessoas acompanharam. Tsezar virou-se para a nobreza. -- Ah, vamos, riam, é engraçado! Confunde-me! - Ele riu novamente.
Agora, a maioria dos vampiros no salão deu risada, ainda que alguns rissem sem vontade.
-- Meu bom senhor, expliquei ontem ao Conselho, Vassily é uma dois-espíritos. - Mama Maja segurou nos meus ombros, com carinho, acho que tentando amenizar a dor que as palavras do Imperador e a risada de todos causava.
Houve até uma comoção no salão quando ela disse "dois-espíritos", alguns com asco, a maioria com espanto e surpresa. Alguns membros do salão deram um passo atrás, como se tivessem até medo de mim.
-- E todos nós membros do Conselho sabemos que isso significa uma mensagem do nosso Deus-Supremo Netheru, sobre o fim dos tempos. - Lady Soretrat se intrometeu novamente. -- Até que se prove se essa aberração veio para o bem ou para o mal, nem deveria estar no meio de nós!
-- Tranquem-na em uma jaula! - Alguem no fundo do salão gritou.
-- É, numa jaula! - Outro respondeu.
-- Até que se prove se a criatura veio para o bem ou para o mal, é nosso dever protegê-la. - O Chanceler quase gritou. Sua voz alta retumbou nas paredes do salão e os protestos cessaram.
Acho que senti mais medo pelos protestos do que por Lady Camelia, quase me vi presa e enjaulada, obrigada a mostrar o meu corpo para divertir nobres. Seria um pesadelo.
-- O Chanceler tem razão e suas palavras refletem a vontade do Conselho. - O Imperador Tsezar girou, seus olhos dourados derrubaram-se sobre mim e eu abaixei a cabeça quase até encostar o queixo no corpo. -- E será assim até que eu diga o contrário! - O imperador sentenciou. Ele abriu os braços, virando para os nobres do salão. -- Lorde Mordecai está chegando com mais um candidato que ele acredita ser também detentor de respostas e iniciaremos os testes tão logo ele chegue, mas por enquanto, quero apenas tomar um bom café da manhã. Todos me acompanhem!
O imperador subiu as escadas e a maiora da nobreza o seguiu. Mama Majaris virou-me de frente para ela, eu tentei não respirar e nem nada, ou eu ia começar a chorar, mas foi pior quando ela segurou no meu queixo, fazendo um carinho:
-- Seja forte, Vassily. - Ela me deu um beijo na testa e olhou para os lados, vendo ao meu redor algumas pessoas que ainda ficaram. Aradya e Annaju se aproximaram.
-- Com sua licença, Lady Rynbelech. - Lady Amy puxou as laterais do vestido reverenciando. -- Eu sou Amy da Casa Blonard e essa é minha irmã, Amber e esse meu irmão Hayden. Queremos dar às boas vindas para suas filhas, Lady Aradya e Lady Anna Julia, e também recepcionar Vassily.
-- Saiba que estamos na torcida para que ela se prove do bem. - Hayden, um rapaz de cabelos loiros e lisos, na altura do ombro, bem alto, de porte elegante, toma a mão de Lady Rynbelech, dando um beijo respeitoso.
-- Obrigada, meus queridos, ficamos muito lisonjeadas. - Lady Rynbelech disse.
Annaju e Aradya reverenciam os três irmãos. Hayden toma a mão das minhas irmãs, de mesma forma. Noto que Amy segura firme no outro braço dele, acho que um pouco enciumada, especialmente pelos olhares que ele dá nos peitos grandes de Aradya, quase pulando fora do decote.
-- Lady Rynbelech, Lady Anna Julia e Lady Aradya, por favor, aceite nossos cumprimentos de boas vidas também. Eu sou Raiane, herdeira da casa Zegrath e esse é meu irmão Leone. - Uma moça de olhos grandes e dourados, com um rosto tão belo quanto o de uma fada encantada, segura em seu vestido roxo escuro reverenciando.
Ao lado dela, Leone, o rapaz que ela apresentou seu irmão, parece um pouco mais velho e tem um sorriso bem leve, olhos vermelhos e cabelos castanhos claros. Eles são um pouco diferente fisicamente, mas partilham do mesmo porte nobre e reservado, que mantém as mãos distantes dos cumprimentos. Lady Raiane está de luvas, bem como Sir Leone.
-- Obrigada, Lady Raiane, é uma honra e fique sabendo que minhas filhas aceitam sim a oferta de amizade. - Lady Rynbelech toma a mão dela, dando duas batidinhas. -- Em nossa Casa, damos as mãos para nossos amigos. - E tira a luva de Raiane, segurando na mão dela com carinho e um sorriso no rosto.
-- Agradeço a confiança, Lady Rynbelech. Meninas, esperaremos que sentem-se conosco, tragam sua dama de companhia. - Lady Raiane continua.
-- Senhoritas. - Leones cumprimenta todas, nem preciso dizer que seu sorriso aumenta quando ele olha para Annaju.
-- Com licença, Lady Rynbelech. - Agora é a vez de um quarteto de irmãos. A primeira é uma ruiva de pele bem clara como a neve, olhos brancos brilhantes. -- Sou Lady Kirsten Bawarrod e meu pai disse para eu acompanhar suas filhas na integração à Sociedade dos Vampiros, saiba que será um prazer. Esses são meus irmãos, a minha irmã biológica, Zoe.
-- Muito prazer. - Zoe é outra ruiva de olhos brancos, de pele clara e bochechas vermelhas, que reverencia-nos com delicadeza. Noto que em sua mão ela tem uma corrente de ferro, segurando um grande tigre branco, seu animal de estimação.
-- Minha irmã de alma Malena. - Kirsten aponta agora uma menina de cabelos castanhos lisos e compridos, olhos bem vermelhos.
-- Um prazer recebê-las, por favor, sintam-se em casa conosco. - Malena diz sorridente.
-- E meu irmão de alma Dietrich! - Kirsten aponta o último, mas ele está distraído, olhando Raiane cruzar com outro vampiro no alto da escada, um rapaz de olhos cinzas e cabelos castanhos, acho que o senhor de companhia de seu irmão. -- Dietriiich... Ele é um pouco distraído!
-- Ah, me desculpem, senhoritas. É um prazer. - Ele é seletivo em quem cumprimenta, segurando apenas a mão de Lady Rynbelech para um beijo. Parece até que está aqui por obrigação.
-- Obrigada, é um prazer ter a Casa Bawarrod como aliada. - Mama Majaris sorri.
-- Veja só, temos amigas! - Annaju cochicha com Aradya.
-- Lady Rynbelech. - Agora quem se aproxima são os nobres de Lunysum. Tirando o homem que se aproxima, um alto e forte senhor de cabelos loiros compridos e músculos de troglodita, os outros nobres de Lunysum, conhecemos bem: Sir Andersen, que se fingiu de soldado, Connor, que já gruda seus olhos vermelhos em Aradya e Adam, o rapaz que vimos pulando a janela da princesa. -- Um prazer tê-la novamente entre as paredes do Castelo. Uma pena que tenha iniciado de forma tão volátil com a Casa Soretrat. O que eu puder fazer para amenizar a situação, considere.
-- Lorde Lunysum, isso não é nenhum problema, resolveremos como sempre. Afinal, somos todos aliados. Desculpe-nos por ter causado qualquer constrangimento.
-- Constrangimento nenhum, estava mesmo curioso para conhecer suas filhas, das quais meus filhos não param de falar. - Ele coloca a mão no ombro de Connor e Aradya fica igual a um tomate envergonhada. -- Tenho mesmo que pedir desculpa pela travessura de meu primogênito, Andersen, por favor, desculpe-se com as meninas.
-- Hm, é... Bem, desculpem-me, eu não queria me passar por um soldado ou enganá-las. - Andersen segura na mao de Annaju, dando um beijo, depois na de Aradya e vem para segurar a minha. Eu cruzo os braços e viro a cara. -- Aceitem minhas desculpas senhoritas.
-- Na verdade, Lorde Lunysum, há algo que eu gostaria que seus filhos fizessem por minhas meninas. Essa situação toda apenas me mostrou o quão vulnerável elas são e que, talvez precisem ser treinadas para se defender. - Mama Maja diz. -- Vassily, especialmente, que tem muito o que aprender.
O quê?!
-- Claro, minha senhora, meus filhos farão a guarda pessoal das herdeiras de Rynbelech, exceto Adam, que já é guarda pessoal da Princesa Irina... Elas serão treinadas pelos melhores soldados do meu exército. - Lorde Lunysum oferece o braço. -- Acompanha-me até o café.
-- Com muito prazer. - Mama Majaris segura o braço de Lorde Lunysum e eles se afastam, deixando-nos a sós com os herdeiros dele.
-- Uhhh, ouviu só, seremos treinadas. - Annaju se empolga.
-- Com licença, Lady Aradya, me acompanha? - Connor imita o pai, dando o braço para ela.
-- Obrigada, meu senhor. - Aradya nem perde tempo, já dá o braço e sai caminhando com o nobre.
-- Com licença, Lady Anna Julia, se me permite? - Adam oferece o braço também. -- Peço que por favor, não diga nada sobre o que viu ontem.
-- Bem, Lady Irina é uma mulher de sorte, não direi nada, sob uma condição. - Annaju coloca a mão na boca e cochicha algo no ouvido de Adam. Ele olha para ela surpreso e eles saem meio rindo.
-- Vassily? - Andersen me chama. -- Acompanha-me?
-- Não falo com gente mentirosa.
-- Você realmente não pode falar assim com um nobre, você sabe? - Ele fecha a cara.
-- Nobre? Que nobre? - Olho para os lados, fingindo. -- Só estou vendo um soldado mentiroso! Aliás, está aí o seu apelido, pinóquio! - Ajeito a alça boa do meu vestido e sigo sozinha em direção ao salão.
Escuto Andersen suspirar, ele vem atrás de mim e puxa a ponta do meu cabelo, dá uma espécie de beliscão, mas não dolorido e eu olho para ele enchendo as bochechas de ar.
-- Você sabe, "silly" é uma palavra que não tem gênero.
-- Nossa, mas é muito idiota, mesmo.
-- E você, muito audaciosa, falando assim com seu senhor!
-- Fique sabendo que o "senhor" - faço aspas com as mãos -- perdeu toda a honra quando mentiu. Não posso mais respeitá-lo, independente de ser um nobre. Se quer alguém para lustrar suas botas, sugiro procurar outra pessoa, como aquela tal de Lady Enola.
-- Eu sei lustrar minhas botas sozinho, muito obrigada, mas espere... Por acaso está com ciúme?
-- Eu? Mas que calúnia! O senhor é muito impertinente, Sir Andersen! - Paro de andar e cruzo os braços.
Ele para um instante me analisando, franzindo a testa.
-- Você realmente me confunde. Agora vai voltar com as formalidades?
-- Será que pode apenas me deixar em paz e ir lá, com seus amigos da nobreza? - Tento expulsá-lo apontando para o salão de jantar, onde todos já se sentam.
-- Você ouviu sua "mama", a partir de agora, sou um oficial da sua guarda pessoal. - Ele dá um daqueles sorrisos descarados, de canto, como quem venceu um jogo de cartas.
Reviro os olhos e vou para a sala de jantar, ajudar a servir minhas senhoras - ou no caso, minhas irmãs.
***
O balde de água suja em que Camelia está torcendo um pano junto com Daphne e Enola é derrubado ao chão. Toda aquela água escura se espalha pelo local que estava quase limpo.
-- Ops, desculpe Camelia! Eu nem vi o balde! - Kirsten provoca, com a mão no corpo. Ela mesma acabou de chutar o balde. -- Foi sem querer!
-- Ah, o que é isso? - Amy derruba uns vidrinhos com líquidos transparentes que ao se misturar na água, viram tintas coloridas. -- Derrubei sem querer minhas novas criações! Desculpe, Zoe, sei que você adora pintar, farei novas tintas para suas telas.
-- Tudo bem, não tem problema. - Zoe suspira, passeando pelo local. Seu tigre pisa na tinta e sai deixando marcas no salão, enquanto ela caminha para a porta que dá acesso ao jardim.
-- Que bela pintura, Zoe, minha irmã! - Malena ergue a saia e faz o mesmo, com as suas botas. -- Uma pena que Camelia terá que limpar!
Nossa, essas meninas são malvadas! Annaju e Aradya nem seguram as ridasas. Elas caminham pelo salão, ao lado de Amber, as três erguem suas saias e pisam na tinta, que está bem no meio do caminho, continuam andando e deixam marcas.
Na verdade, todos os herdeiros fazem isso, Raiane, Leone e até Henri, o rapaz que é o senhor de companhia de Leone, que passa atrás dele, pisam nas tintas e deixam marcas coloridas. Hayden, Yves e os dois gêmeos de Taseldgar, Jaroslav e Miroslav, que também atravessam o local até o jardim. Até mesmo a Princesa Irina, que anda acompanhada de Adam e de sua irmã mais velha, a Princesa Laryssa. Elas andam mais afastadas das outras nobres, como se estivessem excluídas, mas seu irmão, o príncipe Vladimir, não sai do lado delas, obrigando a todos que queiram andar em sua companhia a incluírem suas irmãs.
Vladimir é o único que não pisa na tinta, ele para bem diante da mancha, um dos soldados da Casa Riezdra tira sua capa e coloca no chão, para que ele possa passar sem sujar as botas negras de bordado dourado e fivelas de ouro com diamantes. Ele continua seu caminho e para ao lado de Kirsten.
-- O que acha de um piquenique? - Ele pergunta.
-- Será um prazer, meu senhor. - Kirsten aceita.
Vejo Camelia revirar os olhos entojada. Ela está ainda com seu vestido, mas toda suja e lamacenta. Confesso que é um pouco bom vê-la humilhada dessa forma. Eu piso na tinta azul.
-- Isso, Aberração, aproveite, faça o que quiser agora que pode, mas não fique achando que isso ficará impune. - Ela ameaça, me encarando firme.
-- Claro, você pode tentar, Lady Camelia, mas terá que passar por nossos seguranças antes. - Dou um sorriso de maldade.
Atravesso o salão, dando passos bem curtinhos e sujando o máximo que posso com minhas botas. Quando alcanço a porta, escuro alguém dar uma risadinha.
-- Mocinha, você não é fácil. - Andersen me repreende, encostado na parede, meio que me esperando. -- Mas isso não foi muito inteligente.
Encaro Andersen meio sem paciência. Argh, como ele me aborrece! Precisa mesmo ofender a minha inteligência?! Retruco ardida feito pimenta:
-- Não me chame de mocinha! Cuide da sua vida, que eu cuido da minha!
-- Não conhece o ditado? "Quem avisa, amigo é"? - Ele coloca as mãos na cintura, desencostando-se da parede.
-- Sua palavra não é das mais confiáveis, não é mesmo? - Cruzo os braços.
Andersen desiste. Ele ergue as duas mãos para frente, como que pedindo paz para um chefe de aldeia que está exagerando e balança a cabeça em negação, se afastando. Ele vai para perto do príncipe, onde os outros nobres já estão. Um deles, um dos gêmeos que acho impossível distinguir qual é, coloca a mão no ombro dele e faz um comentário de arrancar risadas dos demais.
Não gostei!
-- Queria poder arrancar o pescoço daquela Camelia maldita. - Annaju junta as mãos como se enforcasse alguém, enquanto as damas de companhia estendem toalhas para as meninas sentarem. Ops, eu não peguei toalhas para Annaju e Aradya! -- Pena que é um crime usar minhas heranças contra outro vampiro, por que se não...
-- No duelo do beijo! - Lady Amy senta-se e oferece um local em sua toalha para elas. -- Bem que pode ser o momento. O Imperador disse que no final de semana faremos um duelo de espadas, as meninas por um beijo do Príncipe Vladimir e os meninos, por um beijo da Princesa Laryssa.
-- Camelia com certeza irá participar, todo mundo sabe que ela é doida para roubar Vladimir de Kirsten! - Lady Raiane explica, dando uma olhada por cima do ombro para o prícipe e sua acompanhante, ele pega uma flor do jardim e prende no cabelo dela.
-- Essa Camelia é mesmo invejosa, alguém tem que dar uma lição nela. - Malena se senta e sua dama de companhia estende a ela um leque para se abanar. -- Podíamos nos juntar para impedir que ela ganhe o beijo do príncipe e ajudar Kirsten a vencer.
-- Olha, já me ganhou nessa questão! - Lady Amber sorri animada.
-- Fechado. - Aradya sentencia.
Elas ficam algumas horas no jardim, conversando, trançando seus cabelos, acabo aprendendo alguma coisas com as damas de companhia delas.
(Continua)
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