Capítulo 07: Uma pequena dose de ciúme
Rowena Lunysum era uma garota linda, de olhos dourados como o mel e cabelos castanhos escuros cacheados e compridos, com um olhar afiado e de roupas negras, cheia de ouro. Havia essa força ao redor dela, que demonstrava que ela tinha muita personalidade e não se deixava vencer facilmente. Ela era bem corpulenta, com grandes curvas, seios protuberantes e músculos de guerreira, mas também era sorridente, de fala mansa e parecia bem simpática e atenciosa.
Vai soar ruim eu dizer que não gostei nem um pouco dela? E pode ser puro ciúme, mas me sentia mal de olhar para ela sendo abraçada pelas nobres na sala de espera.
-- Nossa eu nem sabia que Andersen tinha namorada. - Annaju torce a boca, observando Lady Rowena abraçando-se com as gêmeas, Lady Amy e Lady Amber. Aquele tipo abraço apertado de quem sentiu muitas saudades.
-- Nem eu. - Cruzei os braços e fiz cara de raiva.
-- Vou conversar com Connor sobre isso, ele deve ter todas as informações. - Aradya ajeita os cabelos loiros.
-- Que isso Vassily, está com ciúme ou é impressão minha? - Annaju me analisa.
-- Claro que é impressão sua. - Reviro os olhos irritada. Tento uma rápida mudança de assunto. -- Você e Connor já se beijaram?
-- Beijar?! Não... - Aradya vira o rosto disfarçando. -- Bem, quase na verdade. Temos passado muito tempo juntos já que Mama Maja nos colocou em treinamento e tem sido legal, Connor é um verdadeiro cavalheiro.
-- Ah, fico tão feliz por você, Aradya, ele parece ótimo. Mas ele é tão diferente de Andersen e Adam, nem parecem irmãos. - Annaju comenta. -- Por acaso ele é u humano transformado?
É errado reparar isso, mas todo mundo repara. Connor é mais moreno, tem olhos vermelhos e cabelos bem escuros e cacheados. Já Andersen e Adam são bem brancos, de olhos claros, cabelos dourados. Opostos. Não são filhos do mesmo pai e da mesma mãe, com certeza.
-- Sim, ele foi transformado. Comprou seu direito há cinco anos atrás. - Aradya conta como se sentisse orgulho e ela tem razão de se sentir, não é qualquer um que consegue comprar. -- Era senhor de armas de Andersen, mas suas habilidades como ferreiro logo chamaram atenção de Lorde Lunysum.
-- Ferreiro, ui! - Annaju ergue as sobrancelhas, insinuando. -- Já conferiu a espada dele?
Aradya dá risada, mas morde os lábios pintados com cereja para ficarem avermelhados e solta um suspiro, desviando os olhos.
-- Ainda nem nos beijamos... - Parece meio chateada. -- Tudo o que ele faz é sempre com muita honra, me presenteia com flores e sempre abre a porta para eu passar. Será que eu o interpreto errado?
-- Você o interpreta muito bem, só penso que ele não quer fazer nada se não puder pagar pelo seu dote. - Annaju explica. -- Mama Majaris ainda dificultou tudo colocando o valor lá em cima.
-- Isso que eu não entendo, ela coloca o ouro mais caro e me manda treinar com ele. - Aradya suspira chateada, seus olhos ganham um brilho de desesperança que afeta meu coração.
Para vampiros nobres, seus pais podem pagar os dotes de suas supostas esposas, mas para os que eram humanos, eles precisam juntar uma pequena fortuna com seus trabalho. Lembrei da situação de Henri e Raiane e não pude deixar de conferí-los. No salão, diante de todos, Henri ficava ao lado de seu senhor, Lorde Leone, que conversava com o Príncipe Vlad e Dietrich de Bawarrod; enquanto Lady Raiane estava ao lado de sua melhor amiga Kirsten, junto com Malena e Zoe, segurando a coleira do seu tigre. Quando olhei para elas, vi Karlane acenando para mim, sorrindo, como se fôssemos melhores amigas. Acenei para ela também, meio sem jeito.
-- Annaju, Aradya! - Lady Amber as chama com a mão. -- Venham aqui, quero apresentar Lady Rowena a vocês, ela é uma grande amiga nossa.
-- Vão lá, eu tenho que ir para a cozinha para servir os pratos de vocês. - Empurro as duas.
-- Não vejo a hora de você virar vampira e se sentar com a gente na mesa. - Aradya suspirou.
Deixei a sala de espera e cruzei com Andersen do lado de fora, conversando com esse outro nobre que chegou na carruagem de Lunysum, magro demais para o clã e com um porte delicado, de cabelos loiros e olhos bem brancos. Eles pararam de conversar, Andersen descruzou os braços e me encarou:
-- Vassily. Esse é o meu primo Johns...
Eu virei a cara e atravessei, mas Andersen puxou as pontas do meu rabo de cavalo, me segurando.
-- O que aconteceu? - Andersen pergunta franzindo a testa.
Reparo em seus cabelos compridos por cima dos ombros, dando aquele ar rebelde e despojado, por estarem úmidos. O rapaz ao lado dele apenas repousa a mão em sua espada, me analisando com curiosidade.
-- Sua namorada aconteceu.
-- Rowena não é minha namorada. - Ele nega de forma tão veemente e como se tivesse com nojo da situação que quase acredito. A única reação de que deixarei ele se explicar é um breve erguer da sobrancelha esquerda que dou. -- Meu pai acha que devo me casar com ela.
-- Ah me poupe. - Viro as costas, marchando pelo corredor afundando os pés e andando o mais depressa que consigo.
Andersen magicamente aparece na minha frente, acho que vampiros se movem mesmo muito mais rápido que humanos. Eu me trombo com ele, inesperadamente.
-- Ai!
-- Não faça isso, me escuta. - Andersen pede com a voz chateada, segurando-me pelos ombros, me impedindo de cair. Eu gosto e odeio esse toque ao mesmo, pois embora seja sinal de que ele ainda queira me proteger, também mexe comigo de uma forma que apenas me lembra que meus sentimentos não possuem direito de existir. -- Rowena e eu não temos nada, além de uma obrigação.
-- E o que você espera, Lorde Andersen? - Solto-me dele, empurrando seus braços. Ele é muito mais forte que eu, poderia me segurar, mas me respeita, soltando as mãos. -- Convencer-me a ser a amante no contrato de casamento?
-- Você seria? - Ele pergunta surpreso.
-- Aff. Você é um ridículo, mesmo. - Tento passar pela lateral.
-- Eu não disse isso. - Andersen se explica erguendo as mãos, dando um passo para o lado que eu estou indo. Eu tento pelo outro, mas ele me bloqueia novamente. -- Vassily, espere. Acredita em mim! Não tenho o menor interesse em casar com Rowena.
-- E qual a sua segunda opção? - Paro, com as mãos na cintura.
-- Estou pensando em alternativas. - Andersen ergue as sobrancelhas.
-- Poupe-me do seu drama. - Torço a boca irritada. Ele não tem nenhuma alternativa em mente, não sei se é possível ter uma, na verdade. Que eu saiba, quando os nobres querem casar seus filhos e o Conselho obriga, não tem essa de recusar. -- Você não tem opção e o melhor que você pode fazer é cuidar da sua noiva. Agora, se me der sua licença, Lorde Andersen, tenho meus afazeres para lidar.
-- Essa é sua decisão? - Andersen resfolega, pela boca, como quem nem acredita no que eu disse, como se a culpa fosse minha.
-- Deixe-me passar. - Exijo.
-- Vassily. - Ele me repreende, estreitando os olhos como se me desse uma bronca.
-- Andersen? - Uma voz masculina troveja reverberando pelas paredes do corredor. -- O que está fazendo?
Vejo quando Andersen leva um susto, prendendo até a respiração, retesiando todo o corpo e assumindo uma postura de nobreza. Ele me olha rapidamente, acho que querendo se explicar, mas sem a coragem para fazê-lo diante do pai. Nem preciso olhar para saber que é Lorde Lunysum atrás de mim, sua voz de trovão é inconfundível e ele não deve estar satisfeito que Andersen não está no salão, com a namorada.
Andersen me dá licença para passar e eu atravesso o corredor enquanto escuto os passos de Andersen se aproximando do pai. Eu vou mais devagar, com a intenção de ouvir o que eles vão conversar.
-- O que você quer com aquela criada? - Lorde Lunysum relampeja.
-- Nada, pai. Não é nada. É só uma criada, não é? - Andersen responde meio bravo.
É para acabar de vez comigo mesmo! Apresso os passos e me retiro do corredor.
***
Enquanto eu servia minhas senhoras, Mama Maja, Annaju e Aradya, reparei que Lady Rowena sentou-se ao lado de Andersen, muito animada de estar no castelo. Ela sorria bastante para ele e contava como havia sido sua viagem até o castelo, enfatizando que trouxe souvenirs para todos. Andersen era muito paciente com ela, conversando e sorrindo sempre que ela fazia um comentário empolgada. Só fiquei mais irritada com isso! Se ele não tinha interesse nela,então, qual era o motivo de tantos sorrisos? Ele é um mentiroso e eu sou uma idiota por pensar que ele me beijaria essa noite. Nossa, eu sou muito idiota.
-- Vassily! - Annaju reclamou.
Só então percebi que, distraída como estava, transbordei o copo de vinho e manchei seu vestido.
-- Eu limpo para você. - Lady Amber deu um sorriso para Annaju e pegou o seu guardanapo, passando no vestido, puxando o vinho que derrubei antes que o pano do vestido absorvesse.
-- Obrigada, Amber. - Annaju sorriu para ela.
Ao lado de Lady Amber, Lorde Hayden desviou os olhos delas, segurando um sorriso e eu fiquei com uma impressão tão estranha, sabe? Como se ele soubesse de algo que eu não sei, ou uma piada que não entendi. Coloquei a garrafa em cima da mesa e me afastei, muito provavelmente ele estava rindo de mim e vi quando Lady Amy segurou no braço dele, repreendendo-o de alguma coisa, que apenas o fez tentar segurar a risada.
Abstraí daquele momento, me ocupando em trocar o guardanapo de Lady Amber, como cortesia por ela ter salvado o vestido de minha senhora, mas a dama de companhia dela não gostou muito da minha atitude e chamou a minha atenção, dizendo para eu me concentrar no meu serviço e não no dela. Ai credo! Pedi desculpas e Karlane se aproximou de mim:
-- Nem ligue para Ophelia, ela é sempre ciumenta com os serviços. - Karlane sussurrou, aproximando-se do buffet na mesma hora que eu, fingindo trocar um copo de Lady Raiane, que nem precisava ser trocado. -- Como se ela pudesse mudar que recusaram-se transformá-la!
-- Recusaram? Podem?
-- Claro que sim, não é só uma questão de pagar pela transformação, mas o seu sangue tem que ser bom e disseram que ela é bem fraca, será questão de tempo que outra pessoa assuma seu lugar como dama de companhia, o que é de certa forma de dar pena, pois ela é apaixonada por Lady Amber. - Karlane explica.
-- Lady Amber?
-- Oh, não me diga que não sabe? Lady Amber pode disfarçar saindo com alguns garotos, mas todas as suas damas concordam: ela prefere meninas. - Karlane fala bem baixinho essa última parte, demonstrando que é pura fofoca.
-- Ah. - Abro bem os olhos e olho para Lady Amber, engajada em uma conversa com Annaju.
Certo, já acho que entendi o que aquele olhar de Lorde Hayden realmente se referia. Conhecendo bem Annaju, bem provável que ela estava gostando dessa atenção. Melhor que minha irmã não faça isso, primeiro que esse tipo de coisa não é bem visto, sabe? Se você é um homem, não pode se relacionar com um homem, só com uma mulher e vice-versa. O que me levava à outra questão: e eu como fico nessa história?
***
Ao fim do jantar dos nobres, enquanto os funcionários tiravam os pratos da mesa e os nobres seguiram para o salão de confraternização e jogos, aproveitei um momento para bloquear Mama Maja, pois eu queria falar com ela. Mama Maja está muito ocupada ultimamente com a nobreza e não tem falado direito comigo, ela as vezes chama a Annaju e a Aradya, mas não a mim.
-- Mama, quando é que vou me tornar uma vampira? - Era quase uma súplica.
-- Tenha paciência Vassily. - Ela segurou no meu queixo e comprimiu os lábios marcados pelo tanino do vinho tinto.
-- Lady Rynbelech? - Lorde Bawarrod parou ao seu lado, segurando em seus ombros expostos, ela estava com um vestido vermelho e azul bem decotado, pendurado nos ombros. Notei que Lorde Bawarrod tocava nela com as mãos nuas, mas afastando as pontas dos dedos, onde concentra-se seu poder. -- Está tudo bem? Vamos?
-- Claro, meu querido. - Mama Maja trocou um sorriso com ele e apoiou a mão esquerda por cima da dele. -- Vamos.
Suspirei, voltei a pegar os pratos. Notei que estava sobrando mais comida que o normal, especialmente da parte Lunysum, que tinham deixados os pratos bem cheios, exceto Lady Rowena que tinha raspado até o último grão. Fiquei com a impressão que não quiseram jantar para que sobrasse comida e de alguma forma, isso me deixou um pouco feliz.
Sentei-me à mesa com os pratos de Rynbelech, minhas irmãs se serviam de mais comida e deixavam intocada no prato, para que eu tivesse o que comer, mas eu não estava com fome, ficava pensando em Lady Rowena e no fato de que a minha transformação poderia ser recusada como a de Ophelia, meu estômago estava até embrulhado de ansiedade.
-- Se não vai comer, posso ficar? - Alguém perguntou, com a mão apontando para meus pratos. Eu notei um cordão de couro, com penas de pássaros coloridas. Ergui os olhos e encontrei aqueles olhos lindos e azuis claros de Olivier, com os cabelos castanhos contidos com um lenço e mostrando as orelhas, uma delas, a direita, com um brinco comprido feito de uma argola, segurando uma pena negra.
-- Que fome a sua, hein. - Empurrei os pratos para ele.
-- Não vou comer, vou engrossar a sopa que vou levar para as caravanas. - Ele explicou, segurando os pratos e empilhando um por cima do outro. -- Agradeço muito sua disposição em ajudar, só espero que a falta de fome não seja porque algo causou chateação em você.
-- Por que você se importa?
-- Não me importo. - Olivier revirou os olhos e me deu as costas, se afastando. Ele repetiu o mesmo com as meninas de Blonard, mas Ophelia o expulsou, agarrando firme seu prato.
Eu olhei para as outras mesas e vi todas as pessoas comendo e conversando, mas também alguns que já tinham terminado e ficavam segurando seus pratos. Aquilo me irritou um pouco, especialmente ali na parte de Lunysum, onde tinha sobrado muita comida e eu sabia que era para que ela pudesse chegar nos lados mais distante, nos muros, onde ficava a caravana.
Levantei da mesa, andando até um senhor de armas em específico que estava segurando um prato com resto de bisteca e purê de batata. Segurei na ponta do prato:
-- Você já terminou? Passe isso adiante. - Puxei.
-- Ei! - O homem reclamou, puxando o outro lado, até que soltei. Ele até abraçou o prato protegendo. -- Estou comendo ainda, só guardei para mais tarde. Mas não seja por isso, eu como agora. - Ele pegou a colher e afundou no purê, pegando um montão.
Ele foi colocar a colher na boca, mas eu dei um tabefe nela, que voou longe.
-- Nossa, que grosseiro, você vai comer mesmo sem fome e condenar àquelas pessoas a morrerem desnutridas porque é um senhor egoísta? - Eu estava irritada, com ele, com Andersen, com Rowena, então aquilo era uma forma de colocar para fora de mim toda aquela irritação.
Houve aquele momento de silêncio na cozinha, todos os olhos caíram em mim e o homem levantou-se, muito maior e mais alto do que eu, sua sombra projetada:
-- E por acaso, você é quem vai me impedir?
(Continua)
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